segunda-feira, 30 de maio de 2011

O pé do enforcado


Ele não dormiu, mas levantou da cama naquele dia.
Havia um motivo como há muito não havia...
Não lavou o rosto, não trocou a roupa,
se dirigiu à mercearia.
Comprou dois metros de corda grossa,
com as mãos a testou com força.
Não se importou com a hostilidade do vendeiro.
Olhava para baixo, para o seu pé direito,
em seu desterro não pensava, não lamentava.
Paralisou os seus sentidos dos tantos ais e
silencioso já não soluçava mais.
O significado de toda uma vida nada era.
Todo um caminho o levou àquilo, ou seja, a nada.
A sua vida não mais que a dos outros agora lhe importava.
Parou no meio da rua inerte,
não sentiu a brisa em seu rosto, num carinho singelo
dos dedos de Deus dizendo: Não faça.
Não viu o sorriso de Deus no sol da praça.
Ele estava pálido, os olhos fundos.
Talvez se ele dormisse um sono sem interrupções, profundo.
Talvez se alguém o fizesse um chá quente, com um bom dia
e uma rosa,
mas ele não viu a rosa na mão da criança tocada pelo sol da praça.
Era firme os seus passos, o rosto lívido,
e no último instante de uma vida inteira covarde,
ele havia decidido!
E havia no seu rosto como há muito não havia,
um imperceptível sorriso...
Não percebeu que pisou em uma folha seca,
que a árvore de outono o presenteara.
Seu rosto era gélido, face inalterável.
Se seus olhos ainda choravam?
Talvez nem mais piscavam!
Entrou naquela casa suja, desordenada, mórbida;
Sem responder o olhar da vizinha velha amargurada.
Deixou o seu pacote na mesa,
e sentou-se pensativo na macabra cadeira.
Por lá ficou horas ou dias, não se sabe.
Pensou ou esperou, mas nada veio...
Mudo em seu fúnebre devaneio.
Então subiu naquela cadeira sem receio.
Olhou para cima, fitou a viga e pôs-se a laçar
um nó como escoteiro.
Parecia que toda a sua vida o preparara para o nó.
Com tanto afinco e destreza, ninguém jamais por ele
sentiria dó.
Enlaçou ao seu pescoço a corda como um colar,
porém sentiu uma esperança como há muito não sentia,
e por alguns momentos teve vontade de ficar...
Mas ao não se jogar nada veio.
Respirou mais fundo sem sofrer,
e teve ímpetos para morrer!
Definitivamente uma coragem o dominou
e se lançou.
A cadeira para o canto inalcançavelmente voou.
Ao sufocar se arrependeu, mas era tarde.
Então se entregou, se libertou,
e o seu pé direito como há muito não fazia,
ainda uma vez, dançou.
  

Tatiane Sales
(Meu poema)

...

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